Como o Transtorno do Espectro Autista impacta os irmãos e irmãs com desenvolvimento típico? Em busca dessa resposta, Grazielle Bonfim, psicóloga supervisora na Genial Care, clínica multidisciplinar para cuidado e desenvolvimento de crianças com autismo e suas famílias, realizou o estudo “Transtorno do Espectro Autista e o impacto nos irmãos e irmãs com desenvolvimento típico”, que trouxe alguns importantes números sobre o tema.
“A demanda por cuidados do indivíduo com TEA ao longo da vida é contínua. As famílias frequentemente possuem uma vida financeira comprometida com terapias, tratamento médico e educação inclusiva para a intervenção; aumentam a vigilância do ambiente familiar para garantir o mínimo de desconforto sensorial e tentam administrar uma rotina altamente previsível”, explica Grazielle. “O mais comum é que os pais assumam a responsabilidade sobre esses cuidados, mas à medida que os pais envelhecem, a manutenção desses cuidados pode ser dificultada ou impossibilitada, e as demandas de cuidado podem recair sobre os irmãos adultos.”
Mães de crianças com autismo e com desenvolvimento típico entre 2 anos e 6 meses até 10 anos foram entrevistadas para compreender a dinâmica familiar e as interações entre os filhos.
As entrevistadas – com idade entre 26 e 44 anos – responderam perguntas sobre a caracterização familiar, rotina dos pais, rotina dos filhos, sobrecarga materna, dificuldade na interação materna com o filho sem diagnóstico, dificuldade na interação entre os filhos, comentários que os irmãos de desenvolvimento típico costumam fazer sobre o irmão com TEA e encaminhamentos ou busca de ajuda profissional que a família já buscou para os irmãos sem diagnóstico.
Os principais impactos e pontos levantados foram:
– São as mães que mais se dedicam aos cuidados com os filhos e tarefas domésticas;
– O tempo pessoal, o estresse pelo cuidado dos filhos, família e trabalho e a ausência de privacidade são aspectos bastante afetados na maioria das entrevistadas;
– As necessidades da criança com autismo ocupam, muitas vezes, um lugar central na estruturação das rotinas familiares;
– Algumas mães descrevem uma assimetria percebida por elas no tratamento entre os filhos;
– A maioria dos núcleos familiares é composto por mãe, pai e dois filhos, e o gênero masculino é predominante entre os filhos com TEA;
O estudo também relatou o maior impacto em famílias com menos recursos financeiros. “O tempo das mães investido no cuidado dos filhos é menor nas famílias com renda mensal bruta mais alta, acrescentado ao fato de que as mães dessas famílias relataram não investir nenhum tempo em atividades domésticas”, explica Grazielle.
Dificuldades entre os irmãos
As principais dificuldades relatadas na relação com o filho neurotípico, ou seja, que não é autista, são reações como “ciúmes” (mães que descreveram que os filhos sentem ciúmes dos irmãos com TEA) e “chamar atenção” (em que o irmão diz que não sabe ou não consegue fazer algumas coisas como uma forma de pedir mais atenção ou elogia a mãe com uma frequência muito alta).
Por outro lado, diversos estudos também já revelaram o quanto esses indivíduos se tornam mais empáticos na vida adulta, por exemplo. “Na minha pesquisa, pude levantar o quanto os irmãos parecem entender as necessidades individuais de seus irmãos com TEA, o que é um dado muito positivo”, explica Grazielle.
“Nos achados desta pesquisa, é possível notar que as necessidades da criança com autismo ocupam, muitas vezes, um lugar central na estruturação das rotinas familiares e, como vimos, algumas mães descrevem uma assimetria percebida por elas no tratamento entre os filhos. No entanto, quando analisamos os comentários que os irmãos neurotípicos fazem sobre os irmãos com autismo, percebemos que alguns deles aceitam a importância disso, explicando para terceiros sobre as necessidades específicas de seus irmãos com TEA, por exemplo, além de serem mais empáticos na adolescência e na adulta”, destaca a especialista.
“Esses dados podem dar elementos para compreender a dinâmica familiar frente à demanda por cuidados contínuos do indivíduo com TEA ao longo da vida, e para além disso, compreender como isso pode impactar diretamente e de formas diversas a vida dos irmãos neurotípicos”, finaliza Grazielle.