A pandemia e a inclusão

Por Cibele Gandolpho
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Imagem: Canva
Imagem: Canva

Oito meses sem aulas, oito meses em casa. Além de lidar com a difícil missão de cuidar dos filhos e trabalhar em home office, as mães de crianças especiais ainda têm um quê a mais para se preocupar: como manter o desenvolvimento dos filhos em época de pandemia. Cada passo é tão importante e a regressão pode levar mais tempo para ser reconquistada.

Para mim não foi diferente. Em março, quando comecei o home office, trabalhando mais de dez horas por dia, pensei o que faria para manter o aprendizado do Breno em desenvolvimento sem a ajuda das terapeutas e da escola. Geralmente, crianças com Síndrome de Down precisam de estímulos maiores para aprender, com mais repetições, porém, no caso do meu filho, é difícil desaprender algo que já foi ensinado. Tentei, por 15 dias, mas tentei. Quase pirei.

Além de ele não me ver como professora, não conseguia ter tempo para as aulas on-line da escola. As terapeutas montaram um esquema de atendimento remoto, que não funcionou aqui. Ele ficava extremamente irritado e chorava para não fazer nada. Nem pintar um desenho queria. Cancelei tudo… sem terapias! Era muito estresse e não valia o esforço pelo pouco que ele absorvia.

Se isso se estendesse por alguns meses, teríamos uma regressão na alfabetização, por exemplo. Breno fez 6 anos em julho e irá para o primeiro ano do Ensino Fundamental em 2021. Um dilema, com culpa misturada com muito cansaço do home office com o homeschooling. Fora cuidar da casa e interagir com uma criança ativa trancada, que estava acostumada a sair todos os dias, principalmente nos fins de semana.

Por aqui, saímos muito com ele para explorar coisas novas, se socializar, ter contato com a natureza e outras crianças típicas e atípicas. Foi bem difícil: ele ficava estressado porque queria sair e, consequentemente, não queria fazer nada que a escola enviava.

Foi então que tive uma luz divina. A maioria das escolas suspendeu o contrato de professores e auxiliares e foi assim na escola antiga do Breno. Mudei ele em 2021 para uma instituição que ele já pudesse seguir no Ensino Fundamental, já que a anterior era apenas para Educação Infantil.

Uma das professoras que cuidava dele no Maternal II e no Nível I entrou nesse esquema de suspensão. Fiz as contas, refiz e coloquei na balança se valia o investimento. A escola deu um desconto e eu tive 25% do meu salário reduzido por três meses. Optei por chamá-la. Tomando todos os cuidados de isolamento, ela só poderia vir de táxi, trocava de roupa ao chegar, lavava as mãos e usava máscara o tempo todo. O maior foco da proteção era meus pais. Até perto do Breno, ela ficava de máscara.

Thainá e eu criamos uma rotina para o Breno na casa dos meus pais, que é bem maior que meu apartamento, com quintal, quartos livres e os avós para distraí-lo. Eu sei que a ordem era se manter longe dos idosos, ainda mais minha mãe que é hipertensa, mas o jeito foi me isolar com eles. No começo, minha mãe ficou com muito medo, mas a professora também estava isolada entre a casa dela e a dos meus pais. Foi o risco que tive que correr.

Todos os dias durante a semana, acordava, ia para casa deles, que fica a 20 minutos da minha, e passava o dia lá. Não ia nem ao supermercado e farmácias. Fiz tudo pela internet e não vimos mais ninguém da minha família nem do meu marido.

A professora virou uma espécie de babá também. Além de passar 2h por dia fazendo as aulas remotas, lições, atividades, projetos e trabalhos da escola, ela dava banho, almoço, jantar, brincava e ensinava coisas novas ao Breno. Eu, enquanto isso, passava meus dias trancada trabalhando.

Hoje, 7 meses depois, posso dizer que foi a melhor coisa que poderia ter feito para mim e para o meu filho. Breno se desenvolveu incrivelmente em 2020, passou a formular melhor as palavras, aprendeu o alfabeto inteiro, os números, as cores, sílabas, acompanha as aulas remotas rigorosamente sem reclamar, participa das aulas de música, de educação física e tudo mais. Passa as tardes brincando com a Thainá e meus pais, joga bola e outros jogos, brinca na piscina, planta no jardim, pinta e tantas outras coisas que uma casa grande nos permitiu. Normalmente, na idade dele, uma criança com SD ainda está longe de aprender a ler. Fico triste de ver que o desenvolvimento dos filhos especiais de algumas amigas parou neste período.

Não foi o que tivemos aqui. O desenvolvimento cognitivo do Breno foi surpreendente. Nada como uma professora particular para colocá-lo na linha, deixá-lo centrado e identificar as dificuldades dele para melhorá-las individualmente. A Thainá já estava acostumada com o Breno quando chegou, não era uma desconhecida. Então, a parceria foi perfeita. Nada como uma babá perfeita para uma mãe atolada de trabalho. Eu também não podia me dar ao luxo de perder ou abandonar meu emprego.

Consegui me dedicar ao meu trabalho, ciente de que o meu filho estava sendo bem cuidado. Hoje, ele sai lendo os cartazes pelas ruas e fica feliz por fazer isso. Enquanto vejo tantas mães preocupadas com um ano escolar totalmente perdido, e muitos filhos com problemas psicológicos devido ao isolamento, como medo, ansiedade e estresse, aqui em casa, a minha escolha lá em março de arriscar e os sacrifícios com custos, fez de 2020 um ano ótimo.

As professoras e a coordenadora de inclusão do colégio ficaram surpresas com o avanço dele. Breno acompanha as aulas com os demais amigos da sala e participa. Voltamos com as terapias há cerca de um mês, presencialmente, com todos os cuidados. A fonoaudióloga, a fisioterapeuta e a psicopedagoga nem acreditaram quando viram o Breno depois de 7 meses, tamanho o ganho cognitivo.

Pude ficar 24 horas com meu filho, coisa tão impossível antes da pandemia, já que trabalhava em horário integral. Vejo seus avanços diariamente e a felicidade dele de me ter por perto não tem preço. Além disso, pude estar muito mais próxima aos meus pais, o que nessa fase da vida deles, ambos com mais de 70 anos, foi um presente. Graças a Deus, ninguém se infectou. Nas últimas semanas, o isolamento deu uma aliviada, onde pudemos viajar com segurança e temos saído aos poucos para lugares não aglomerados.

Ainda sigo em home office, a escola ainda não voltou, Thainá ainda está conosco e nem sabemos quando isso vai acabar, se com vacina ou sem vacina. Minha saúde mental vai muito bem, obrigada, e olho para trás e percebo que foi a melhor decisão que tomei no meio do caos.

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