Neste último fim de ano, depois de mais de dois anos e meio distante, fui ao Brasil rever a família. Pude acompanhar minhas filhas se conectando com os avós e tios, brincando com os primos, criando memórias e laços, e aprendendo palavras, brincadeiras e movimentos novos. O afeto envolvido em cada troca foi um combustível potente para o desenvolvimento das meninas: Clarice, hoje com 4 anos, e Gabriela, com 2. Lembrei-me de quando a Gabi andou pela primeira vez: estávamos em um parque e, ao perceber o esforço por se movimentar, Clarice abriu os braços e a chamou. Com as pernas bamboleantes, lá foi ela, dando seus primeiros passos em direção à irmã.
Assim como Gabriela, todos nós somos afetados tanto por fatores externos – um gesto acolhedor, uma palavra, algo que chama a atenção – quanto internos – entusiasmo, medo, alegria – e reagimos a eles. Nesse processo, aprendemos. A afetividade, como é chamada essa condição humana, foi estudada pelo educador francês Henri Wallon (1879-1962), e é essencial para o desenvolvimento. Que felicidade poder ter presenciado esse crescimento das minhas filhas impulsionado por tantos afetos no Brasil.
Viver longe da família e de nossa cultura por vezes traz uma sensação de que estamos privando as crianças de momentos ricos de possibilidade de desenvolvimento. Afinal, mesmo que afeto não signifique carinho ou amor, é inquestionável o poder dessas manifestações em interferir no outro positivamente, despertando sentimentos e respostas que impulsionam aprendizados motores e cognitivos, como o ato de andar.
No Brasil, o aprendizado de palavras em português – que não é a língua principal das minhas filhas – foi muito mais veloz do que em casa, no Canadá. Isso não se deve apenas ao fato de estarmos imersos na língua, mas pude ver o esforço da Clarice, que já fala basicamente em inglês a maior parte do tempo, em traduzir cada palavra para se comunicar com os avós. Nesse sentido, em um momento em que há cada vez mais a preocupação com o estímulo infantil, transmutado em objetos, metodologias e sistemas educacionais, me peguei pensando no quanto a dimensão afetiva, igualmente importante, ainda é negligenciada diante das demais (cognitiva e motora).
Claro que, mesmo sem os demais familiares por perto o tempo todo, somos capazes de proporcionar momentos de uma afetividade positiva e tentar prestar atenção no que pode, mesmo que sem querer, afetar as crianças negativamente, impedindo-as de aprender. Mas, para isso, é importante ter o olhar atento e uma entrega ao presente momento que nem sempre é possível na rotina caótica do dia a dia. Mais do que métodos e desafios prontos, é importante perceber as emoções da criança diante do mundo: o que lhe motiva, o que dá medo, o que a emociona, o que não desperta atenção. Por vezes, algo sutil e que poderia passar despercebido por nossos olhos acaba demonstrando ser uma explosão de afetos e aprendizados.
Certa vez, Clarice me olhou enquanto eu amamentava a Gabriela ainda recém-nascida e perguntou: “Mamãe, todos os bichos mamam?”. Respondi que nem todos, apenas os mamíferos. Isso desencadeou uma conversa sobre espécies de animais, importância da amamentação, partes do corpo, sistema reprodutivo que durou um bom tempo. Depois de dar de mamar, propus olharmos um livro sobre animais pelo mundo e ficamos tentando descobrir juntas quais mamavam e quais não. Será que dá para saber apenas olhando cada um? Por que será que nem todos mamam? Como um passarinho faria para mamar, já que tem bico? E os bichos que contam com grandes dentes, será que eles podem atrapalhar a mamada? Claro, tudo foi no tom voltado para uma criança de dois anos, que é a idade que ela tinha na época, mas quantas descobertas maravilhosas foram possíveis apenas aproveitando um interesse do momento. Uma resposta curta e sem atenção poderia ter desperdiçado esta chance de explorações.
O olhar atento da Clarice para a irmã que demonstrava interesse em caminhar e o meu olhar para ela, que tentava entender a amamentação, geraram desenvolvimentos importantes. Sei que muitas vezes também fui responsável por tolher esses aprendizados, seja por não estar prestando atenção, pela falta de paciência no dia a dia ou pelo cansaço, e tudo bem. Não quero carregar nem incumbir a outras mães mais uma culpa por não dar conta de tudo sempre. Mas acredito que, mais do que ser mais uma incumbência no processo de criação dos filhos, saber sobre a afetividade e levá-la em conta é conseguir desligar do que é excesso e se concentrar no essencial. É perceber que tudo ao redor pode nos afetar positiva ou negativamente e se colocar presente no espaço e tempo, aproveitando o que já está ao nosso alcance. Para 2022, espero que eu consiga cada vez mais me colocar dessa forma, mesmo que as preocupações e tarefas me engulam de tempos em tempos. Feliz Ano-Novo para todas!