Há alguns dias, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a indicação da vacina da Pfizer contra a Covid-19 para crianças com idade de 12 anos ou mais. E o Instituto Butantan também revelou em um estudo que a CoronaVac é segura e induz resposta imune em adolescentes e crianças de 3 a 17 anos. A pergunta que se se faz é: as crianças com necessidades especiais também terão prioridade quando a autorização para aplicação em menores de 18 anos for liberada?
A resposta devia ser sim, com certeza! E os motivos são vários! Explico. Independentemente do que a criança tenha, síndrome, autismo ou qualquer outra intercorrência, é nítido que elas estão sendo privadas, há mais de 1 ano, não só de sair de casa, como outras crianças, mas também das terapias, que são fundamentais para seu desenvolvimento motor e cognitivo. Qual é o pai ou mãe que consegue voltar às terapias presenciais normalmente em uma situação tão caótica de mortes? E nas aulas presenciais nas escolas?
Os médicos e especialistas são unânimes em dizer que esse período de aprendizado e desenvolvimento do cérebro na infância das crianças especiais não volta mais e está irremediavelmente perdido na vida. Tenho lido muito a respeito. Manter o tratamento on-line não é a mesma coisa e sessões de fonoaudiologia, psicoterapia, terapia ocupacional e fisioterapia não puderam ainda voltar à normalidade porque essas crianças não podem sair de casa devido ao potencial risco.
No caso específico da Síndrome de Down, os indivíduos são considerados uma população de altíssimo risco para infecção pelo SARS-CoV-2 e desenvolvem uma forma grave a Covid, com maiores taxas de hospitalização e terapia intensiva, infecções bacterianas secundárias e mortalidade. Assim, a probabilidade de falecimento é semelhante à de uma pessoa de 70 anos sem a condição genética.
Apesar da idade pediátrica ser menos afetada pela Covid-19 na maioria das vezes, crianças com Down podem ser especialmente vulneráveis e suscetíveis a infecções respiratórias, além das comorbidades como imunodeficiência, cardiopatias, obesidade, diabetes, que adicionam fatores preditivos de maior gravidade.
Nos níveis molecular e celular, pessoas com SD mostram marcadores de inflamação crônica na ausência de infecções detectáveis, além de níveis elevados de citocinas. Elas são as moléculas sinalizadoras que atraem para a região da célula onde estão um verdadeiro exército de glóbulos brancos para criar um processo inflamatório e destruir um vírus ou bactéria invasores. A desregulação imune causada pela Síndrome de Down poderia resultar em uma síndrome exacerbada de liberação de citocinas em relação à observada na população comum, justificando, o porquê de a Covid-19 ser tão grave para quem tem essa condição genética.
Agora, me pergunto: qual pai ou mãe em sã consciência vai colocar seu filho em risco para ir à escola ou à terapia diante deste cenário e essas condições de saúde? É onde temos a imensa perda cognitiva durante a pandemia. Por isso, assim que for permitido a vacinação de menores de 18 anos, as crianças especiais devem ser colocadas no grupo prioritário para que possam voltar à escola, como as crianças típicas já voltaram há meses, às terapias e, principalmente, que não corram o risco de morrer se contraíssem Covid-19.
Por sorte, a escola do meu filho que é altamente inclusiva, pensou nas crianças especiais. O meu filho, por exemplo, não conseguiu acompanhar as três aulas diárias on-line. Perdia o interesse, não focava, não rendia. A coordenadoria de Inclusão montou então um programa de atendimento individual onde uma profissional da instituição ministrava com ele pequenas interações on-line de 15 a 20 minutos por dia, com atividades educativas, que prendiam a atenção dele e o ensinava o alfabeto, os números, as cores e as sílabas. Além de manter o vínculo com a professora, ele pôde praticar e aprender temas que a classe estava recebendo presencialmente. Mas nem todos têm essa oportunidade.
Assim como diversas mães, eu cancelei as terapias presenciais e não funcionou o on-line. Retomamos agora com as terapeutas já vacinadas. Neste período, tentamos fazer nós mesmos com ele para não perder a oportunidade cognitiva. Meu filho sequer sabe o que Covid-19, coronavírus, pandemia, isolamento social. Ele quer é mais ir para a rua brincar, abraçar as pessoas e cumprimentar todo mundo, como sempre fez. Mas o risco aumentado tem tirado mais coisas que outras crianças típicas já conquistaram de volta: o direito de ir à escola, por exemplo.