Oncofertilidade: conheça as soluções oferecidas pela medicina para quem deseja engravidar após o câncer

Por Ana Flávia Hostalácio*
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Ana Flávia Hostalácio | Divulgação

A oncofertilidade traduz-se na preservação dos óvulos e espermatozoides de pacientes oncológicos, mulheres e homens, respectivamente, já diagnosticados com câncer. O tratamento é indicado para cuidar da fertilidade de quem deseja ter filhos biológicos no futuro, já que a quimioterapia e a radioterapia podem comprometer a fertilidade.

Nos últimos anos, a oncofertilidade apresentou um enorme desenvolvimento, principalmente porque o diagnóstico tem vindo cada vez mais cedo e os tratamentos estão cada vez mais eficientes. Com isso, o câncer tem se transformado de uma doença quase sempre fatal, para uma enfermidade que pode-se tornar crônica ou, em algumas situações, curável, abrindo possibilidades antes inimagináveis para quem vive com ela – como, por exemplo, a gestação.

A partir do momento em que a sobrevida dos pacientes oncológicos aumenta, outras questões passam a ser consideradas. Um dos pontos mais importantes é a manutenção da fertilidade futura, tendo em vista que muitos pacientes no momento do diagnóstico e tratamento do câncer ainda são crianças, adolescentes ou adultos jovens e, na maioria das vezes, este grupo ainda não tem filhos ou essa decisão definida.

Nem sempre as terapias contra o câncer afetam as funções reprodutoras e causam infertilidade, contudo, recomenda-se uma conversa com o oncologista antes do início do tratamento. O diálogo com o médico torna-se essencial para se abordar os riscos de diminuição da fertilidade, ou ainda, a infertilidade temporária ou permanente.

Conversar com o oncologista sobre quais os riscos associados à infertilidade antes de iniciar o tratamento é a maneira mais promissora para uma gestação futura.

COMO OS TRATAMENTOS DE CÂNCER PODEM PREJUDICAR A FERTILIDADE FEMININA
Dentre os tratamentos realizados em pacientes com câncer estão a quimioterapia – especialmente as realizadas com agentes alquilantes – que impedem a célula de se reproduzir, e a radioterapia – que vale-se da radiação para destruir o tumor – e limita a multiplicação do tecido humano. Há ainda a combinação das duas terapias que pode levar à diminuição da reserva ovariana (o “estoque” de óvulos que pessoas do sexo feminino carregam consigo desde a vida uterina) ou mesmo à falência ovariana.

A quimioterapia e a radioterapia causam lesões nas células da zona pelúcida que têm a função de proteger e dar suporte ao gameta feminino, necessárias para a gestação. A literatura médica diz que a maioria dos medicamentos quimioterápicos podem danificar os óvulos da mulher e, com isso, afetar a fertilidade. Estima-se que uma dose menor que 2 Grays – medida para a radiação – seja suficiente para destruir 50% dos folículos primordiais e que 5 a 10 Grays podem levar à falência ovariana. Contudo, a intensidade desse dano dependerá da idade da mulher, dos tipos de medicamentos utilizados e doses administradas.

Doses elevadas de radiação no abdome ou pelve podem destruir alguns ou todos os óvulos, provocando infertilidade ou menopausa precoce. A irradiação no útero pode provocar cicatrizes, limitando a flexibilidade e o fluxo de sangue. Isso pode refrear o crescimento e a expansão do útero durante a gravidez, aumentando, assim, o risco de aborto e nascimentos de bebês prematuros.

Em geral, a gravidez não coloca em novo risco ou piora o prognóstico de mulheres sobreviventes ao câncer. Desta forma, com o bom prognóstico de cura, essas mulheres são autorizadas a desenvolver a gestação após um período sem a presença da doença.

O CONGELAMENTO DE ÓVULOS COMO ALTERNATIVA PARA GESTAÇÃO FUTURA
A medicina reprodutiva evoluiu, acompanhando os progressos da oncologia, ao proporcionar às mulheres sobreviventes do câncer a possibilidade de terem filhos no futuro. Algumas técnicas disponíveis já estão bem estabelecidas, enquanto outras têm resultados controversos ou são consideradas experimentais. A mais utilizada atualmente é o congelamento de óvulos (criopreservação), que podem ficar guardados por até 15 anos em temperatura de 196ºC negativos.

Mulheres com câncer de mama ou de origem hematológica (linfomas Hodgkin/ não Hodgkin/ leucemia) são as que com maior frequência têm indicação para preservação da fertilidade. As estatísticas mostram que a fertilidade passou a ser foco de atenção na vida das sobreviventes após a cura.

As opções para preservar a possibilidade de gravidez futura passam pelo congelamento de óvulos, que tornou-se a primeira opção de preservação da fertilidade feminina por não necessitar do gameta masculino. A ciência ainda desenvolveu a criopreservação de embriões, que consiste no congelamento de embriões já fecundados e que tem tido ótimos resultados há muitos anos.

O congelamento exige pelo menos duas semanas para a estimulação ovariana e coleta dos oócitos maduros para a criopreservação. Contudo, esse prazo pode trazer adversidade para os pacientes com indicação imediata da quimioterapia. Vale ressaltar que meninas pré-púberes não podem utilizar esta técnica, que ainda tem limitações em adolescentes sem vida sexual.

De acordo com o INCA (Instituto Nacional de Câncer), no Brasil, a estimativa, com base no triênio 2020-2022, pode ocorrer até 625 mil casos novos da doença. Especificamente na mulher, os cânceres de pele não melanoma, de mama (29,7%), cólon e reto (9,2%), colo do útero (7,5%), pulmão (5,6%) e tireóide (5,4%) figurarão entre os principais.

O DIAGNÓSTICO E OS PROJETOS FUTUROS
Após o diagnóstico de um câncer, há a tendência entre paciente e médico de buscar agilidade no tratamento, com foco em melhores resultados. Entretanto, essa “pressa” pode comprometer algumas oportunidades na vida das sobreviventes e uma delas é a preservação da fertilidade. Pouco se sabe sobre qual seria o intervalo ideal entre diagnóstico de câncer e início do tratamento, sem comprometer as taxas de cura ou sobrevida, o que muitas vezes coloca as pacientes em um dilema.

Contudo, há uma boa notícia: um novo estudo comparativo demonstrou que optar pela preservação da fertilidade não atrasa o início da terapia oncológica. A pesquisa “Fertilidade otimizada em mulheres com câncer: da preservação à contracepção” realizada pelos profissionais do Centro de Fertilidade de Ribeirão Preto, em parceria com o professor Rui Alberto Ferriani, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto — USP, aponta que o congelamento de óvulos e embriões é uma das alternativas mais eficazes, já que não atrasa o início do tratamento contra a doença.

“O receio em atrasar o início do tratamento oncológico e a falta de encaminhamento em momento oportuno é uma das principais barreiras para o encaminhamento de pacientes para a preservação da fertilidade” traz o texto do estudo.
Estudos sobre a fisiologia ovariana possibilitaram o melhor desenvolvimento de protocolos de estimulação chamados random start, que podem ser iniciados em qualquer dia do ciclo independente do período menstrual. Com isto, a terapia pode ser iniciada de forma ágil, sem atrasar o tratamento oncológico.

A ciência já comprovou também que a indução de ovulação, feita para acelerar a maturação dos folículos ovarianos, pode ser realizada logo após a aspiração folicular, sem a necessidade de se aguardar a menstruação, possibilitando uma nova coleta de óvulos num intervalo curto de tempo. Com isso, aumentam-se as chances de sucesso no procedimento, com menos tempo de espera, dando agilidade ao tratamento.

COBERTURAS CONVÊNIO E SUS
O SUS (Sistema Único de Saúde) oferece de forma gratuita e universal o congelamento dos óvulos para pacientes oncológicas que podem ter a fertilidade prejudicada. De acordo com o Ministério da Saúde, para ter acesso ao congelamento de óvulos, mulheres em tratamento de câncer devem agendar o procedimento por meio da Unidade Básica de Saúde (UBS) para iniciar o processo.

Segundo dados do último relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), publicado em 2019, a taxa nacional de fertilização in vitro (FIV), por meio da técnica RHA (Reprodução Humana Assistida), foi de 76% no Brasil.

Também é possível recorrer aos planos de saúde nesse momento. Na saúde suplementar, o beneficiário da criopreservação é protegido pelo Código de Defesa do Consumidor: a Justiça brasileira considera nula qualquer restrição que ponha o consumidor em situação de desvantagem excessiva. Neste sentido, uma negativa do plano de saúde para quem busca o congelamento de óvulos nesse contexto é considerada abusiva.

No entanto, a cobertura do benefício só deve durar até o momento em que a paciente receber alta do tratamento. A partir desse momento a manutenção e eventual utilização dos óvulos seria de responsabilidade da contratante.
O procedimento de coleta e congelamento de óvulos (que inclui estimulação por hormônio, coleta e congelamento) custa entre R$15 mil e R$30 mil. Além disso, a pessoa paga R$1 mil para a manutenção dos óvulos congelados.

*Ana Flávia Hostalácio é médica ginecologista e obstetra da Oya Care, formada pela Faculdade de Medicina de Jundiaí e especialista em Reprodução Humana pela Faculdade de Medicina do ABC. Atuação na área de Infertilidade e Reprodução Humana no Instituto Ideia Fértil de Saúde Reprodutiva.

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