No canadá tem, sim, verão

Por Fernanda Salla
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Imagem: acervo da colunista
Imagem: acervo da colunista
“Good afternoon! Just a heads up that there is a black bear hanging around daycare today. Please be aware when picking up your kids.”

 

Esta foi a mensagem que recebemos outro dia do daycare (creche) que minhas filhas frequentam. Em tradução para o português, o texto diz: “Boa tarde! Apenas um alerta de que hoje tem um urso preto nos arredores da creche. Por favor, fiquem atentos quando forem buscar suas crianças”. Esse é o tipo de surpresa que nunca esperaria receber no Brasil, mas na cidade em que vivo no Canadá, Prince George, este já é o segundo texto do tipo as educadoras me enviaram desde que a primavera começou. A visita de animais silvestres é rotina quando a temperatura começa a esquentar por aqui, e essa é apenas uma das particularidades da vida acima de zero. Como eu já fiz aqui na coluna um relato sobre como é o inverno canadense, gostaria de compartilhar também as curiosidades de quando o frio dá lugar ao calor.

 

Convivência com a vida selvagem
No clima mais quente, muitos animais saem de seus esconderijos. Já vi veados, alces, raposas e esquilos. Essa é a época em que os ursos (negros e pardos) acordam da hibernação e têm seus filhotes. Famintos e precisando alimentar as crias, eles procuram incessantemente por comida. Por isso, é comum encontrar famílias desses animais pela cidade, especialmente em áreas mais próximas de florestas. A regra de ouro nesse período é colocar o lixo para fora somente no dia em que o caminhão de lixo passa para recolhê-lo. Esses resíduos atraem os ursos, que acabam se acostumando a ficar cada vez mais próximos das pessoas e podem se tornar agressivos. Nesse caso, infelizmente o animal precisa ser abatido. Eu já vi diversas vezes armadilhas para captura de ursos. Então, a fim de evitar mortes totalmente desnecessárias e assegurar que a vida silvestre siga seu fluxo natural, é importante que todos guardem seus lixos.

 

Outro cuidado relacionado à fauna local é prestar muita atenção ao dirigir pelas ruas. Pode acontecer de uma turma de alces atravessar a pista de repente. Em trilhas, devemos carregar conosco um spray de urso — um spray tipo de pimenta, próprio para ser usado em caso de ataque — e algo para fazer barulho durante a caminhada, espantando esse bicho. Vivendo aqui, ouve-se várias histórias sobre como os ursos se comportam e o que deve ser feito no caso de eles estarem agressivos. Existe uma frase em inglês que diz: “If it is brown, lay down. If it is black, fight back” (algo como: “Se for marrom, deite-se. Se for preto, lute de volta”). O urso negro é menor, mas é rápido de sobe em árvores. Por isso, não adianta correr. Em caso de ataque, o melhor é tentar pegar um pedaço de pau e se mostrar mais agressivo e maior do que ele. Isso é, inclusive, o que diz um panfleto de orientação para frequentadores de determinadas áreas conservadas na região. Já o urso parto (marrom) é bem grande e forte. Não dá para fugir nem lutar: a estratégia é proteger o pescoço com as mãos, deitar no chão de barriga para baixo, deixando os órgãos mais seguros, e abrir as pernas para dificultar que o bicho consiga mover o corpo.

 

Tem calor
Pode ser difícil de acreditar, mas mesmo um lugar que passa grande parte do tempo abaixo de zero tem seus dias de calor intenso. No verão, as temperaturas chegam aos 30 graus célsius por aqui. Este ano, porém, o clima esquentou ainda mais. Uma onda de calor sem precedentes invadiu o oeste canadense elevando os termômetros para até 41 graus em Prince George. Os estoques de ar-condicionado e ventiladores esgotaram em todas as lojas. As casas não são preparadas para isso e viraram uma estufa. Mesmo os brasileiros, acostumados com o clima de verão, sofreram com a situação. O município de Lytton,que também fica na província de Colúmbia Britânica, chegou a 46,6° C, maior temperatura já registrada em todo o Canadá desde 1937, em que o recorde do país era de 45° C. Ela acabou, infelizmente, passando por um incêndio devastador, que destruiu a cidade.

 

Episódios de queimadas são frequentes no verão, causadas por fogueiras ou raios. As matas secas pegam fogo facilmente. Por esse motivo, é comum a qualidade do ar cair drasticamente nesses períodos e sentirmos um forte cheiro de fumaça. No nosso primeiro ano aqui, o problema foi tão grave que tivemos de comprar purificadores de ar e evitar sair de casa. Muitas comunidades foram evacuadas. Famílias perderam suas casas e animais de suas fazendas. Foi realizado um verdadeiro esquema de guerra para ajudar todas essas pessoas. Acampamentos e residências temporárias foram disponibilizados, além de terem sido organizados mutirões de voluntários para coleta de roupas e mantimentos.

 

Adaptações à estação
Esta é a fase dos dias mais longos do ano. O sol nasce por volta das 5 horas da manhã e se põe às 10 horas da noite, não chegando a ficar completamente escuro. Portanto, haja cortina blackout nas janelas para dar conforto ao sono. O protetor solar é um grande aliado no dia a dia. Nesse período, também, o ambiente é invadido por insetos. São muitos! Por isso, todas as janelas e portas têm telas para impedir que eles entrem em casa. Os jardins precisam ser regados diariamente, e tem hora certa para isso. Assim evita-se que falte água na cidade para as necessidades básicas. Os pneus dos carros já não precisam ser aqueles próprios para andar sobre o gelo, então é a hora de substituí-los pelos modelos de verão. Falando em veículos, é comum vermos carros mais esportivos e conversíveis circulando pelas ruas.

 

Vida ao ar livre
Nas estações quentes, os skis, patins e snowshoes dão lugar para as pranchas de stand up paddle, as bóias e os apetrechos de acampamento. As pessoas tiram seus motorhomes dos estacionamentos e saem pela província aproveitando as áreas naturais. Acampar e passear de barco pelos diversos locais da região são as principais atrações. Mesmo com águas congelantes, é uma delícia frequentar rios e lagos. Essa é, aliás, nossa rotina de fim de semana por aqui. Cada família monta sua churrasqueira e aproveita o dia com as crianças. A água é transparente e a paisagem é incrível, com as árvores e as montanhas nevadas ao fundo. Os locais de camping ficam lotados e precisam ser reservados com antecedência. Em tempos sem pandemia, os festivais de rua são frequentes, com barracas de produtos locais e música ao vivo no centro da cidade e nos parques.

 

É uma delícia poder usar apenas uma camada de roupas e passar o dia ao ar livre sem congelar. Pena que a temporada dura pouco, cerca de três meses. Logo o frio volta a dar as caras. Mas enquanto ele não vem, vou aqui desligar o computador e sair para aproveitar mais um pouquinho. Até a próxima coluna!

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