Não ser racista já não é suficiente

Por Chris Larroudé
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racismo
Imagem: Canva

Sou branca, mulher e privilegiada. Esse é o meu lugar de fala. Porém, sou curiosa, observadora do mundo e há 10 anos me casei com um homem “moreno” com quem tenho 3 filhos. E isso me fez refletir sobre o tema, cada vez mais. Já começa com a minha dificuldade de defini-lo – cheguei em moreno, pois é assim que ele se define. Ele é tipicamente brasileiro. Resultado de miscigenação de negro, índio e branco. Seu pai é filho índios e negros. E sua mãe é branca, filha de brancos portugueses, espanhóis e judeus. Daí a mistura.

Tudo começa quando eu comecei a namorar com ele. Lembro com clareza no começo do meu namoro, de uma conversa com uma das minhas cunhadas. A gente ainda não se conhecia direito e ela me perguntou se eu gostava de ´morenos´. Foi a primeira vez que percebi que ele era considerado negro, porque para mim ele realmente era ‘moreno’.

Já passamos por algumas situações muito chatas. Começa quando saímos em família. Como a mãe dele é branca, todo mundo acha que ela minha mãe, e não minha sogra. Toda vez temos que explicar. Racismo implícito.

Racismo em ambientes ‘diferenciados’

Mas acho que das vezes mais marcantes, está uma tarde na piscina de um clube de elite aqui em São Paulo, em que começamos a conversar com o casal do lado. Ele, meu conhecido, e ela eu não conhecia. O foco da conversa passou a ser o meu marido. Ela perguntou se ele era brasileiro porque – de verdade – ele não é negro puro, ele é moreno e tem mais cara de indiano – mas ela ficou indignada quando respondemos que ele era brasileiro sim. Insistiu que ele deveria ter algum ancestral judeu árabe ou indiano. No pequeno universo dela, não era possível um negro estar na piscina daquele distinto clube.

Neste mesmo clube, ocorreu um outro ´incidente´. Um presidente de multinacional negro estava correndo em uma área mais aberta. Os seguranças o tomaram por um bandido invasor e o retiveram. O pior é esse senhor não falava uma palavra em português e teve que ir para uma salinha para se explicar.

Racismo no dia a dia

Meu marido nem não gosta muito de comentar sobre o assunto, porque já foi vítima de muito racismo na sua vida. Desde criança houve episódios. Seja na escola de elite, nos ambientes que frequentava, na faculdade… fazia parte do seu cotidiano. Depois de mais velho, sentiu o mesmo para arranjar emprego, crescer profissionalmente ou mesmo como empresário. E hoje em dia, ele evita tomar sol, pois sabe que se bronzeia rapidamente e isso o prejudica muito profissionalmente. Ele conta que chegou ao ponto de fechar contratos comerciais e, ao comparecer na reunião presencial para assinatura contratual, o cliente criar uma desculpa e declinar a contratação.

Em um episódio específico, a pessoa que o indicou para uma vaga por conhecer sua capacidade e conhecimentos específicos, explicou quando não deu certo, que o a pessoa contratada tinha menos conhecimento e experiência, mas era branca.  E foi sincero e explicou que imaginou que ele não conseguiria mesmo a vaga na empresa, pois a alta direção não era composta predominantemente de brancos de olhos claros por acaso.

Estes são apenas alguns exemplos que mostram que as oportunidades nunca serão iguais quando o racismo fizer parte do cotidiano. No ambiente empresarial vejo muitas empresas tentando fugir destes estereótipos e mais recentemente adotando a entrevista ´às cegas´ – em que o RH tira do CV do candidato todas as informações pessoais (Ex. onde mora) e as entrevistas são por telefone. Isso tem ajudado a equilibrar um pouco mais o jogo.

Racismo entre crianças

Agora você pensa que é só com adultos? Coisa do passado? Aconteceu com meu filho de 8 anos. Ele é branco mas pega cor muito fácil e rápido. E como vive na piscina, está sempre moreno. Tanto que na escola, ele usa a cor marrom para se pintar – desde sempre. É assim que ele se vê e se identifica. Outro dia, uns amiguinhos dele estavam justamente falando como ele estava moreno e um deles soltou a seguinte “pérola” na minha frente: “a cor marrom é feia, é mais fraca”.  Na hora eu repreendi o menino e disse que todas as cores eram bonitas e que o que ele tinha falado era muito feio. Agora, vamos combinar, de onde sai isso em uma criança de 8 anos?

Racista, eu? Imagina!

Tudo isso para demonstrar o fato de que o racismo é algo muito enraizado na nossa sociedade, muito embora ninguém se considere racista. Uma pesquisa do Datafolha de 1995 concluiu que 89% dos brasileiros admitiam existir preconceito de cor no Brasil, mas 90% se identificavam como não racista. Ou seja,o racista é sempre o outro e não a gente.

Educação antirrascista

Recentemente eu li o Pequeno Manual Anti Racista da Djamila Ribeiro e, eu que nunca me considerei racista, percebi uma série de palavras, expressões a atitudes que demonstraram que eu estava perpetuando o racismo em meu meio. Termos como ‘mulata’, ‘criado mudo’ e ‘fazer nas coxas’ faziam parte do meu vocabulário e já não tem lugar em pleno século 21.

Neste livro ela prega que não ser racista, não é o suficiente. Ela nos convoca a ser antirracista. Vale a reflexão e, realmente, é algo que precisamos. Pelos nossos filhos e por milhões de brasileiros que são excluídos por um sistema estruturado, séculos de conivência. Não dá mais para rir de piadas racistas, não dá mais para achar normal não ver negros nos ambientes que frequentamos. Eles são 56% da população do Brasil. Isso quer dizer que, em qualquer lugar que você entrasse, metade deveria ser negra. E muitas vezes, nos ambientes que frequento, vejo um ou dois negros, e estão todos satisfeitos por se acharem super “inclusivos”. Só que isso só já não basta. Não é uma questão de representatividade. É uma questão de proporcionalidade.

Que tal aceitarmos o convite da Djamila? Eu estou tentando rever minhas atitudes e palavras. Ser mais condizente com as coisas que acredito e romper com esse pacto social de que está tudo bem. Não está tudo bem. E cada um de nós pode fazer a diferença

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