Literatura, livro didático, representatividade e formação cidadã

Por Angela Cheirosa
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criança negra lendo
Imagem: Canva

O racismo nos atravessa em todos os âmbitos de nossas vidas. Estrutural e naturalizado, ele nos afeta de todas as formas e mesmo negando sua existência, ele está presente em tudo: em nossas falas, práticas, ações cotidianas, no que consumimos e reproduzimos. E na literatura não seria diferente.

Se você nunca se incomodou com algumas passagens dos clássicos de Monteiro Lobato, declaradamente higienista e sanitarista – movimento pós-abolição que visava o embranquecimento da população brasileira e a melhoria da raça (vale a pena pesquisar) – você provavelmente é uma pessoa branca.

Obras como Caçadas de Pedrinho e a forma como personagens negros eram tratados e descritos, sempre geraram incômodo e discussões, havendo também quem defenda que não se tratava de racismo e sim, uma descrição ou retrato da sociedade e do comportamento da época. Mas não soa estranho, nos dias atuais, a cozinheira de mão cheia descrita ser Tia Anastácia e o nome da famosa farinha de trigo ser Dona Benta? O nome disso é Apagamento.

Contudo, o que não podemos negar é a importância e o papel da literatura para a educação, construção de caráter e personalidade, principalmente do público infantil. Como afirma Paulo Freire, “A leitura de mundo, precede a leitura da palavra” e vivendo em ambiente onde falta diversidade e representatividade, seja para crianças negras ou não negras, essa ausência nos livros didáticos, nos contos e em todo material literário que estas tenham acesso, vai interferir profundamente na formação de cada criança.

E é importante ressaltar que a ausência de referências negras na literatura é prejudicial para todas as crianças, independentemente da cor ou etnia. Uma criança não negra, mesmo tendo uma educação inclusiva, antirracista, com conceitos éticos e morais bem estabelecidos, ainda assim, se ela não percebe diversidade em seu cotidiano, se os espaços ocupados por pessoas negras são sempre o de subalternidade, se não há protagonismo negro em suas relações e no ambiente escolar essa realidade se repete, esta criança está sendo educada para naturalizar a ausência de corpos negros em espaço de protagonismo. E essa realidade é também reproduzida na literatura.

Por outro lado, crianças negras são educadas em ambientes onde não há protagonismo negro, não há referências de sucesso e representatividade, não se veem na tv, nas profissões de prestígio e essa realidade também se reproduz na literatura. Os livros didáticos reproduzem uma realidade que não favorece a inclusão, não proporciona o ambiente inclusivo e não traz, na sua grande maioria, situações em que crianças negras e não negras se sintam contempladas. Então, qual mensagem estamos enviando, mesmo que inconscientemente, para essas crianças? Qual o papel da literatura infantil nesse contexto?

Precisamos educar para a diversidade! Crianças negras precisam se reconhecer e construir identidade, autoestima, autoamor e se sentirem representadas.

Hoje existe um movimento dentro da literatura em que há um incentivo à produção de literatura representativa, bem como incentivo a autores negros, de maneira que suas experiências, vivências e histórias sejam publicadas e consumidas.

Mas precisamos estar atentos! Educar para a diversidade implica em se importar com os detalhes, questionar ausências e incentivar e consumir o diverso, inclusive na literatura que lemos e oferecemos às nossas crianças.

 

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