Gravidez e parto no Kuwait durante a pandemia

Por Tatiane Braga
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Imagem: arquivo colunista
Imagem: arquivo colunista

Quando descobri que estava grávida as fronteiras estavam abertas e a vida estava no que chamamos de “normal”. Com 12 semanas, em janeiro de 2020, fomos para o Brasil visitar a família, contar a novidade e, lógico, passar pela consulta com a minha obstetra para fazer todos os exames.

Nessa época a China já estava em um estado alarmante, os casos subindo e as mortes também, mas nem imaginávamos o que estava por vir. Quando voltamos da viagem, o caos estava tomando o mundo, inclusive onde vivemos, no Kuwait.

No aeroporto já havia aparelhos para medir a temperatura corporal de cada pessoa que estava voltando. E caso a pessoa apresentasse algum sintoma estranho, já seguravam no próprio aeroporto para fazer o teste e ficar em isolamento.

Acompanhamento médico

Já de volta, tive as minhas primeiras consultas e exames da gravidez e foi um pouco assustador. Eles não fazem nem metade dos exames que fazemos no Brasil. Chega a ser desesperador! Fiz exame de sangue apenas uma vez, e foi porque eu pedi.

Conheci outras brasileiras grávidas e todas reclamavam da mesma coisa, a falta de sensibilidade e os poucos exames que são feitos. Como eu estive no Brasil em janeiro, realizei todos os exames necessários. E quando cheguei em casa, só realizei um exame, aquele que estuda os cromossomos, que, por sinal, aqui é super caro e super avançado.

Eu ainda não tinha certeza se o parto seria aqui ou no Brasil, mas as circunstâncias decidiram por mim. Primeiro porque a conexão entre o meu primeiro filho e meu marido é enorme, e ficar distante por um tempo e trazer um bebê novo para dividir a atenção, não seria a melhor escolha. Segundo porque logo que voltamos entramos em lockdown. O que significa que fiquei meses sem ultrassom, sem exames, nada…além do calor de 50°!

Isolamento e gestação

Eu sou bem ativa. Por isso, foi muuuito difícil ficar em casa sem fazer nada e com um bebê super ativo querendo o máximo de atenção. Foi criatividade atrás de criatividade. Nosso prédio, até então, parecia estar bem controlado, descíamos para caminhar ou nadar na piscina. Mas quando começamos a perceber o tamanho do risco, paramos e ficamos em casa…

Em julho fomos no primeiro estágio pós-lockdown, mas tínhamos muito medo de sair e crianças eram proibidas de entrar em locais fechados. Então para mim e meu filho, nada mudou. A única diferença foi que meu marido voltou ao escritório durante algumas horas por dia.

Eu estava desesperada, pois não tinha conseguido comprar nada para a maternidade. E você acha que deu tempo de fazer a mala da maternidade? Comprar as roupinhas? As coisas que faltavam?

Curfew

Em agosto, quando os casos foram melhorando e começou o curfew (regra que estabelece os horários que as pessoas devem ficar em casa), conseguimos ir ao shopping rapidamente, usando máscaras e álcool a toda hora. E assim conseguimos comprar o básico.

Também consegui ir para a minha consulta e descobrimos uma queda do líquido amniótico. E o que eu achava que era apenas uma veia saltada por conta da gravidez, era uma trombose!

A médica foi bem cautelosa para eu não me preocupar, mas é óbvio que entrei em desespero. Entrei em contato com a ginecologista no Brasil e fiz uma consulta on-line. Ela me deu dicas e comecei a perceber que as recomendações diferentes não estavam me fazendo bem. E decidi confiar na médica daqui e fazer do jeito que só ela mandava, mesmo com meus medos e receios. Mas graças a Deus tudo foi como deveria ser!

Sebastian estava crescendo lindamente e o líquido aumentou… só a trombose que infelizmente segue até hoje.

Os dias foram passando, e parecia que eu ia ter o meu primeiro filho! Cadê minha mãe? Minha família? Minha cultura? Meu Deus… era uma ansiedade e medo de contrair o coronavírus!

Maternidade

Fomos visitar a maternidade que todos indicaram. Hospital lindo, um luxo! Quartos desenhados por designers famosos, vista para o mar, mas o atendimento e cuidado (que para nós era o que mais importava) foram péssimos. Então, decidimos ter no hospital que é parecido com as nossas maternidades no Brasil.

Aqui independentemente da pandemia, após nascimento o bebê fica dentro do berçário e só trazem ele para o horário da amamentação. Isso me doeu muito, pois meu primeiro filho não ficou um segundo longe de nós na maternidade, apenas para fazer os exames.

Tudo estava preparado, mas ainda não sabíamos se seria cesárea ou parto normal. Eu queria tentar normal, mas não tínhamos ninguém da família, estávamos vivendo em curfew e, caso algo acontecesse, não tínhamos ninguém para ficar com o Santiago. Ou meu marido não assistiria o parto… eram tantos medos!

O parto

Na 38ª semana, quando a médica fez o toque, viu que eu não tinha nada de dilatação. Ela conversou comigo e disse que as chances pareciam poucas, mas eu não quis desistir. Depois de alguns dias fui à consulta novamente e ela falou, todo feliz, que tudo estava evoluindo para um parto normal e que parecia não demorar muitos dias.

Bom… sempre ouvi dizer que nosso instinto funciona. Um dia antes de tudo acontecer, eu resolvi arrumar a casa, arrumar as coisas do Santiago para ficarem fáceis para a nossa ajudante se organizar e deixei comida preparada.

As contrações começaram por volta da 1h da manhã e, logo em seguida, o tampão saiu. Liguei para a médica e ela disse para eu tenta dormir. Tentei, mas as contrações aumentaram e um líquido começou a vazar.

Às 3h liguei para a ajudante e às 5h, quando terminou o curfew, ela veio pra nossa casa para ficar com o Santiago e então fomos para a maternidade. Que nervoso!

Todo mundo de máscara, medo das pessoas, medo de pegar algo, medo de algo não dar certo, preocupada com meu filho em casa com uma pessoa que não conhecemos muito bem, tudo isso me consumia!

No hospital as contrações pararam, mas já me internaram, pois eu tinha feito uma cesárea menos de 18 meses antes, e já tinha saído o tampão… seria perigoso pegar alguma infecção.

Sem dilatação fui para o quarto e foram me preparando para um parto normal. Aqui, antes mesmo da mulher sentir dor, eles já oferecem a epidural independentemente de ter dilatação ou do tipo de parto.

Eu esperei até ter uma dor que eu não estava mais conseguindo suportar. A dilatação não aumentava, a bolsa não estourava e a cada uma hora exames eram feitos. Depois de quase 24h, as contrações aumentaram, mas a bolsa não foi rompida. Romperam a bolsa e meu trabalho de parto começou.

Meu marido ficou meio perdido, não podia ter filmagem, fotógrafo, nada! Foi tudo lindo, consegui um parto normal, mas não senti o mesmo calor humano do Brasil. Sebastian nasceu bem, saudável e calminho.

Falta da família

Pedi que meu filho ficasse comigo no quarto e eles aceitaram. Fiquei o tempo necessário, mas como fiquei sozinha na maternidade, acabei precisando que tomassem conta dele para que eu pudesse descansar após 24h de trabalho de parto.

Nao foi fácil! Chorei muito! Saudades da família! Eu me sentia feliz, mas estava alí no quarto sozinha. Meu marido ia e vinha nos visitar!

A questão é que a pandemia influenciou principalmente o fato de não ter ninguém da família por perto para nos ajudar. Acho que essa é a nossa maior dificuldade até agora. Hoje Sebastian está com quatro meses e meus pais não o conheceram ainda, não pegaram ele no colo e não sabemos quando isso

Equipe médica

Graças a Deus a equipe médica foi maravilhosa, me senti até mais cuidada e assistida do que no meu parto no Brasil. A médica que estava de plantão nos horários que a minha médica não estava foi incrível. As enfermeiras super preocupadas e doces, tive uma assistência que posso dizer que muito melhor do que eu realmente não esperava. A médica daqui foi super atenciosa a cada detalhe do que eu pedi e fez tudo acontecer da forma mais incrível possível.

No fim, eu tive sorte e uma experiência incrível do outro lado do mundo!

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