Desde que me tornei mãe, em 2017, venho consolidando a ideia de que exercer a maternidade é muito mais do que criar filhos. Ela é também um chamado à luta. Percebi o quanto a mãe ainda é excluída na sociedade e sofre para ter espaço político e profissional. Isso acontece institucionalmente, quando vemos a falta de representatividade em posições de liderança tanto em cargos públicos quanto privados, uma legislação que ignora aspectos intrínsecos à maternidade e ambientes não adaptados a receberem mães nesse exercício. Mas a segregação materna também ocorre pelas mãos e bocas da própria população que em muitas situações parece não saber lidar com o maternar em locais de convívio social. Essas impressões me fizeram ver o quão importante é nosso papel para mudar tudo isso.
Antes de ir ao Brasil pela primeira vez com minha filha Clarice, hoje com três anos, eu estava tensa. Seriam três aviões aqui de Prince George, no Canadá, até São Paulo, com voos tanto de dia quanto de noite, além dos longos períodos de aeroporto. Ela tinha nove meses de vida na época. Além do temor sobre como ela iria agir, eu tinha medo do julgamento das pessoas ao redor. Contrariando minhas piores expectativas, Clarice distribuiu sorrisinhos, brincou com os vizinhos de assento e dormiu a maior parte do tempo. Um grande alívio se repetia a cada aterrissagem, juntamente com elogios de outros passageiros. “Que menina bem comportada!” e “Parabéns! Não ouvi um pio vindo dela.” foram algumas frases que escutamos. Depois do orgulho inicial, porém, veio um desconforto. Será que é mesmo possível controlar o comportamento de uma pessoinha tão pequena, que ainda é pura emoção?
O bebê de até um ano de idade não é capaz ainda de reagir racionalmente às coisas que o afetam – para saber mais sobre esse estágio do desenvolvimento, recomendo a obra do teórico Henri Wallon (1879-1962), responsável por investigar a emoção geneticamente. Então, apesar do aparente sucesso de minha viagem, fiquei pensando o quanto, em sua visão romantizada, a maternidade é apreciada quando está escondida dentro de casa, mas quando a sociedade se depara com crianças abrindo o berreiro no restaurante, mamando no banco da praça ou demonstrando irritação no supermercado desejam não conviver com ela.
Em público, a maternidade é julgada, excluída, diminuída e menosprezada. Isso ocorre porque, assim, a realidade é escancarada: crianças choram, gritam de dor, cansam, fazem birra. Bebês mamam e é no peito mesmo, onde o leite é produzido. Eles fazem cocô e ele cheira mal, vaza, mancha. A mãe fica exausta, erra, se desespera. Tudo isso ocorre normalmente na vida materna, mas poucos veem. Já ouvi comentários que acusavam uma mãe que amamentava publicamente de querer apenas se exibir. Também escutei um padre falar que os paroquianos com filhos pequenos deveriam ficar em casa com eles para que não atrapalhassem a missa, pois “Deus entenderia”. E certa vez aconteceu de um passageiro pedir para mudar de poltrona no avião ao perceber que eu me sentaria com minha bebê ao lado dele. Convenhamos que cenas assim são comuns.
Por que não sabemos conviver com a maternidade?
Por mais estranho que possa soar, a verdade é que, em grande parte, os espaços de convívio não estão preparados para receber as mães e seus filhos. Falo aqui de mães porque sabemos que é para esse lado que a balança da parentalidade pende. A falta de iniciativas que atenda às nossas necessidades no exercício materno acaba por nos segregar, tornando a convivência em sociedade mais rara. Não estou falando das atrações criadas especificamente para agradar as crianças, mas dos lugares voltados para a população em geral. Não há locais seguros e apropriados para os pequenos onde eles eventualmente vão frequentar e ficar por longos períodos, como aeroportos, igrejas, hospitais, cartórios, bancos e outros prédios públicos ou privados. Diversos restaurantes ainda não oferecem cadeirão para menores de dois anos. Quando há menus infantis, em vez de serem porções menores dos pratos da casa, são um festival de junk food.
A amamentação ainda é um tabu, apesar de assegurada por lei em muitas cidades, e casos de mães constrangidas e proibidas de exercer esse direito são corriqueiros. Mesmo nos ambientes virtuais, imagens de mulheres amamentando são bloqueadas de redes sociais. Faltam espaços para amamentação em comércios e estabelecimentos públicos. Os banheiros muitas vezes não contam com privadas e pias infantis nem trocadores. Já tive de sair correndo do supermercado tanto por não ter nem um banquinho para que eu pudesse dar de mamar para minha filha bebê quanto por não haver toalete para levar a minha mais velha no processo de desfralde.
A relação de trabalho, então, é um capítulo à parte. Empresas não contam com auxílio para filhos de funcionários, grande parte oferece licença maternidade que não respeita a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS) para amamentação exclusiva até os seis meses de idade do bebê e os índices de demissão de mães no retorno às suas funções profissionais são surpreendentes: quase metade delas perde o emprego em até 24 horas de acordo com pesquisa de 2019 da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mesmo que mantenham seus trabalhos, muitas não conseguem conciliar a rotina profissional – que não dá margem para flexibilidade – com as novas demandas domésticas. Não à toa, o número de mães empreendedoras é alto. Segundo o Sebrae, 75% dos novos negócios criados por mulheres surgem a partir da maternidade.
Todas essas formas de exclusão, em alguma medida, cooperam para que o restante da sociedade também não saiba como acolher as mães e suas crianças. Não me entendam mal, longe de mim fazer uma generalização. Claro que há aqueles que não somente lidam bem com a maternidade como auxiliam quando podem. Uma completa estranha, certa vez, estendeu os braços para segurar a Gabriela quando ela ainda tinha poucos meses de vida e eu falhava completamente em acalmá-la durante uma crise de choro. Eu estava sozinha com minhas duas filhas. Meu desespero era tanto que também abri o berreiro. O gesto dessa mulher me serviu de inspiração. E se mais pessoas convivessem com exemplos assim? Talvez pudéssemos construir uma sociedade mais inclusiva com as mães e suas crianças.
Como é o acolhimento às mães no Canadá
Sinto que algumas iniciativas canadenses impactam positivamente no tratamento dado à maternidade. A amamentação em espaços públicos é assegurada por lei, o que também acontece em diversas cidades brasileiras. A diferença é que muitos locais deixam isso explícito, colando cartazes que anunciam esse direito. Igrejas contam com espaços para crianças brincarem durante as celebrações e, em minha cidade, quase a totalidade dos restaurantes oferece pequenas distrações para os pequenos, como giz e papel para pintar ou revistinhas de atividades. Também noto que a relação com o trabalho permite uma maior adequação à família. Por exemplo, a maior parte das pessoas que conheço realmente larga o expediente na hora exata em que ele acaba, entre 5 e 6 horas da tarde. Outro fato interessante é ser comum haver vagas de meio período com remuneração digna. A licença maternidade é chamada de licença parental e pode ser estendida por até um ano e meio, sendo possível compartilhá-la com o parceiro ou parceira da forma que for mais conveniente. Estudos evidenciam que esse tipo de medida coopera para a diminuição da desigualdade de gênero.
Apesar de ações inclusivas para mães e crianças, ainda passamos por muito do que relatei anteriormente em espaços de convívio social. Algo que me chamou atenção aqui foi a dificuldade para alugar casa depois de ter minhas filhas. Após conversar com conhecidos canadenses percebi que é, sim, comum haver uma resistência em aceitar famílias com crianças pequenas por receio de que danifiquem a propriedade. Aqui também é comum haver condomínios, hotéis, restaurantes e outros estabelecimentos voltados somente para adultos – os chamados adult oriented. Confesso que, apesar de não ter uma opinião formada sobre se deveriam ou não existir tais locais – afinal, é direito de quem tem um negócio e de quem o frequenta não querer crianças nele -, não deixo de achar triste.
Como ser uma sociedade que acolhe as mães
Tenho certeza de que praticamente a totalidade das mães não quer que seus filhos causem problema em público. Pensar o contrário é quase cruel. Assim como presumir que o ato de amamentar na frente de outras pessoas é uma tentativa de exibição vaidosa. Inclusive, quando me deparei com o desafio da amamentação, me dei conta de que eu não tinha referências sobre o que é dar de mamar corretamente, pois era algo que raramente se via em público. Tinha dúvidas sobre como é a pegada correta e qual é a melhor posição para segurar a criança. Que bom seria se isso fosse tão comum que todas nós pudéssemos nos sentar em um café e pedir ajuda à mãe ao lado.
Na minha opinião, é preciso naturalizar ainda mais a maternidade – por mais ridículo que possa parecer falar isso. Faz-se necessário que as pessoas convivam com mães e suas crianças, que os espaços se adequem para recebê-las da melhor forma e, assim, minimizem constrangimentos desnecessários. Diante disso, maternar em público se torna um ato político. É preciso ocupar os espaços, incomodar os estabelecimentos que não oferecem recursos básicos para atender à comunidade materna. Afinal, o convívio em sociedade é um direito de todos e um exercício imprescindível para que as crianças cresçam também sabendo como agir dentro dela. É assim que se constrói a sensação de pertencimento, o respeito aos espaços e aos outros, sejam eles semelhantes ou diferentes. Esses aprendizados só são possíveis quando se está inserido, e não segregado.
Lembrei-me de uma entrevista que assisti com a apresentadora Bela Gil, defensora da alimentação saudável. Na ocasião, ela disse que sabia que nem todos tinham acesso a produtos orgânicos ou condição financeira para consumi-los, por isso acreditava que, como ela tinha, deveria fazê-lo também como um ato político. Afinal, é aumentando a demanda por esses produtos que se gera um movimento pela maior produção e, consequentemente, uma diminuição no preço. Da mesma forma, quero maternar politicamente para que nenhuma mãe precise justificar o choro do filho em público ou sinta vergonha de amamentar. Para que todos se respeitem e se ajudem. Espero que sigamos juntas nessa luta, e que nossos companheiros ou companheiras, amigos, familiares e conhecidos também se sensibilizem sobre a importância de mudar determinados comportamentos e práticas.
Tenho consciência de que falo de um lugar privilegiado, de mulher branca e de classe média, portanto é preciso entender que mães de grupos minoritários sofrem ainda mais episódios de exclusão em seu maternar, além de incontáveis preconceitos. Saber disso é extremamente importante para que nossa luta não seja só sobre nós, mas sobre todas. Que a gente possa fazer nossa parte ao votar em mães, contratar mães, comprar de mães e nos apoiar umas às outras para conquistarmos, juntas, nosso lugar de direito.