Historicamente a maternidade para a mulher negra sempre foi envolvida por renúncias, ausências, perdas e sacrifícios. No período da escravidão, objetificada e animalizada, a maternidade para a mulher negra era para fins de reprodução de novos escravos, que seriam de propriedade dos seus donos, para serem vendidos e terem o mesmo destino de todos os negros da época. Gestação essa, fruto de estupros, violências e muita dor.
A separação era certa! Paria-se tantos quantos fossem possível, mas não havia espaço para maternar, para o afeto, que muitas vezes era transferido para o senhorzinho, a quem tinha que amamentar, cuidar, zelar e instintivamente amar. A história conta das amas de leite, das negras de seios fartos que amamentavam os filhos dos senhores de escravos, mas a história não conta da criança, verdadeira dona daquele leite. O bebê para quem aquela mãe realmente queria dar o seu afeto.
Nesse contexto, paternidade não era uma questão. O reprodutor, ao qual cabia a função de emprenhar as escravas, não tinha papel de pai estabelecido. Afetividade foi mais um dos direitos retirados da mulher negra e esse aspecto reflete até os dias de hoje.
Ser mãe preta é ser atravessada por uma série de negações. A ela é negada a presença, o direito de cuidar, o direito de ver crescer, de educar. Mas ainda assim, são capazes de amar incondicionalmente, mesmo com toda a dor e sentimento de culpa.
Uma busca rápida nas estatísticas e é possível comprovar que mulheres negras ocupam cargos de menor expressão, escolarização, remuneração e protagonismo no mercado de trabalho e isso se deve a diversas questões estruturais que não as oportunizaram galgar por espaços diferentes do posto. Serviços braçais, com alta carga horária, muitas vezes as obrigando a morar no serviço, tornam a maternidade algo distante, ausente.
Num modelo moderno, quantas mulheres negras dedicaram a vida a criar e zelar dos filhos dos patrões, enquanto os seus eram criados pelos avós, vizinhos, parentes? Quantas mulheres negras, a maioria chefes de família, disfrutam do privilégio de ter um companheiro, uma figura paterna para seus filhos? Isso a estatística também comprova: Mulheres chefes de família são, na maioria, negras.
E diante de uma realidade tão dura, como é construída e afirmada a figura materna da mulher negra, se essa condição nos é negada desde sempre? Se hoje, não são os senhores de escravos que nos arrancam os filhos e sim o sistema, a polícia, a violência, o racismo?
Maternidade negra é lastrada no medo da perda, na solidão, na vontade desesperada de proteger e livrar de todo o mal, mas fundamentalmente é baseada no amor. Num amor ancestral, que transcende o medo.
Essa maternidade romântica dos comerciais de TV ainda não alcança a maioria das mulheres negras, mas estamos no caminho.