Uma reflexão sobre o momento em que vivemos

Por Fernanda Salla
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Imagem: Canva

Neste mês de março, minha filha caçula, Gabriela, começou a frequentar o daycare, que é a creche aqui do Canadá. Pela primeira vez em mais de três anos e meio, eu me senti eu mesma novamente. Desde que a Clarice, minha mais velha, nasceu, nunca mais tinha tido tempo sozinha, sem alguém para eu cuidar. A rotina com duas crianças em casa estava me fazendo perder muito da minha identidade como indivíduo. Sentia falta de tempo para me desenvolver profissionalmente, para dar conta das tarefas da casa e, principalmente, para olhar para mim. Nestas duas semanas em que as meninas estão frequentando uma instituição de ensino, eu me peguei mais bem-humorada, produtiva, com a autoestima mais em dia, a criatividade aflorada e até mais carinhosa com minha família. E é exatamente essa sensação de finalmente voltar a ser um pouco mais eu que me fez pensar no quão doloroso é para as mães no Brasil — e em locais em que a pandemia do Covid-19 está tão grave — estar nessa posição de, ao mesmo tempo, ansiar pela reabertura das escolas, mas temer fortemente pela vida de todos ao redor.

Como mãe e jornalista que trabalhou anos na cobertura de Educação, sei da importância das escolas na vida das crianças e dos adolescentes. Isso vai além de promover o desenvolvimento do aprendizado — já que, sabemos, o acesso de todos à internet ainda é uma utopia no país, consequentemente a aprendizagem remota —, incluindo aspectos extremamente críticos, como a diminuição da exploração sexual e de trabalho, e até o combate à fome. Tive a oportunidade de conhecer regiões brasileiras em que a população seguia praticamente abandonada pelos poderes públicos, sem saúde, moradia digna ou transporte, mas lá resistia uma escola. Porém, também nas minhas andanças, vi que o modelo escolar ideal está bem longe de ser uma realidade. Faltam estruturas essenciais, incluindo o tão necessário saneamento básico, ainda mais em tempos de Covid-19. Que crueldade ver mais de 2 mil mortos diariamente e saber que, além deles, tem mais milhares de crianças e jovens sofrendo outras consequências terríveis desse cenário pela falta de acesso à escola.

No Canadá, as escolas seguem abertas desde setembro do ano passado, porém a segunda onda da doença chegou e não sabemos se e quando tudo pode fechar novamente. Em Prince George, ainda vivo em uma bolha de segurança, mas quem é imigrante sabe que nossas raízes nunca deixam de estar no país de origem. Junto com meus familiares e amigos queridos, eu sofro pela situação enfrentada por todos. Tenho medo pela saúde das pessoas, me revolto pela educação e a vida da população não terem sido tratadas como prioritárias desde o início. Caso fosse assim, talvez não chegássemos à situação em que uma mãe chora por ver os filhos sofrerem psicologicamente em casa, por sentir a sua própria saúde mental pedir socorro, por ter de calar dentro de si a falta que faz ter tempo para ela e, somado a isso, temer por sua própria existência e pela daqueles que ama. Sobre essa mãe cai ainda mais esse fardo, além de todos os outros danos profissionais e econômicos que a balança desregulada da parentalidade impõe sobre ela. 

Por estar muito longe de meus familiares e amigos, me sinto especialmente impotente. Não consigo controlar a rotina de cada um e ter certeza de que estão tomando todas as medidas de segurança — apesar de estarem isolados e conscientes da gravidade do momento. Eu me pego pesquisando muito mais sobre as questões no Brasil, como o calendário da vacina, do que aqui onde moro. Só queria poder vê-los novamente e em breve. Pela primeira vez na vida, estou há mais de um ano sem encontrá-los. Isso dói, ainda mais porque não há previsão para as fronteiras abrirem e podermos ir ao Brasil novamente ou eles virem para cá. Gabriela conheceu os avós somente quando nasceu, e agora cresce interagindo com eles virtualmente, em duas dimensões: sem abraço, sem cheiro, sem beijo, sem aqueles mimos que só é permitido aos avós fazerem. 

De minha parte, só consigo chorar junto e mandar todo amor do mundo para cada mãe. Quero ser o ouvido atento, o ombro amigo e a rede de apoio, mesmo que virtual, para quem precisar. Não há palavra que conforte neste momento, mas a esperança ainda resiste. E espero que as escolas sejam tratadas com o respeito e a importância que merecem para que, quando abrirem as portas novamente, seja possível reverter os danos causados pela falta que elas fazem. 

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