Maternidade: combustível ou âncora da produtividade?

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Imagem: acervo pessoal da colunista
Imagem: acervo pessoal da colunista

A maternidade para mim veio por acidente. Duas vezes. Seguidas. Casada havia 6 anos, eu já vinha tentando engravidar há alguns meses, mas em virtude do meu ritmo de viagens e trabalho – na época como jornalista da Folha de S. Paulo -, André e eu decidimos adiar os planos um pouco mais.

O plano parecia perfeito. Afinal ele também estava numa toada frenética de trabalho. Naquele primeiro semestre de 2011 eu já tinha feito reportagens na Colômbia, Estados Unidos – mais de uma vez – Inglaterra, diversas cidades do Brasil e estava indo passar quase 20 dias na Índia.

A ideia era acelerar naquele momento para viver o melhor dessa profissão imprevisível para, quem sabe, retomar a ideia do bebê no ano seguinte, com mais tranquilidade. Foi aí que a minha vida virou de ponta cabeça. Ainda bem.

Na volta da Índia, com a confusão do fuso, perdi o passo do anticoncepcional e engravidei. Ficamos muito felizes mesmo com a surpresa, o único detalhe era que, apesar de estar bastante realizada no jornal, eu havia ingressado no processo seletivo de uma gigante norte-americana de tecnologia poucas semanas antes.

Era parte do plano de transição de carreira: partir para a Comunicação Corporativa depois de praticamente 10 anos em redação com madrugadas e plantões como parte da rotina. Se eu conseguisse, poderia depois planejar a maternidade com calma. Com a notícia do bebê, vi minhas chances irem pelo ralo. Mas nem todos pensavam como eu.

Um bebê, uma mãe e um IPO

Assim que soube do bebê na minha barriga, liguei para a recrutadora que conduzia meu processo seletivo e pedi desculpas. Ela tentou me convencer de que tudo seguiria normalmente porque fazia parte da filosofia da empresa respeitar o momento de vida de cada candidato, mas eu não acreditei. Topei seguir, mas achava que seria eliminada a qualquer momento. Mas caí mesmo de joelhos diante da minha própria incredulidade quando recebi a oferta de emprego. Aos 7 meses de gravidez.

Comecei como gerente de comunicação do Facebook em fevereiro de 2012, exatamente na mesma semana em que completei 30 semanas de gestação. Não vou dizer que não tive medo. Carreira nova, empresa nova. Tive medo de não dar conta. Aliás, tive não só medo, mas muita vergonha.

Vergonha de aparecer nos primeiros dias com uma barriga imensa me apresentando aos funcionários. Mas com o passar dos dias, vi que não havia razão de ser. Era extremamente recompensador saber – e mostrar – que mesmo às vésperas de ser mãe eu conseguia manter meu nível de produtividade em alta, mesmo em um terreno totalmente novo para mim.

Pedro chegou em abril de 2012, exatas 8 semanas depois de eu começar no meu trabalho novo. Na segunda quinzena de maio, o Facebook abriu o capital na Bolsa de Nova York, no chamado IPO. Houve comemorações em todos os escritórios do mundo e apesar de estar seguindo a licença-maternidade à risca, eu queria fazer parte daquilo tudo.

Entre uma mamada e outra, dei uma escapada ao escritório, revi os colegas, brindamos. E voltei ao meu bebê. Foi por apenas uma hora, mas consegui entender como seria a articulação da Camila-mãe com a Camila-profissional. E fiquei bem satisfeita com a primeira experiência.

Nos meses seguintes, percebi que a maternidade deu gás extra para a Camila-profissional. Eu me sentia mais produtiva, menos procrastinadora e ao mesmo tempo com uma vontade imensa de abraçar o mundo, de conhecer mais, de aprender mais e de dividir isso com o Pedro. Tive a sorte de ter no André um grande pai e parceiro, que realmente viveu junto comigo as delícias da maternidade, assim como os desafios, os medos, os choros noturnos, os banhos, as cólicas, as fraldas de cocô…

Uma vez organizada com a minha rotina, do bebê e da casa – não tive babás ou assistentes domésticas todos os dias -, passei a dedicar um tempo para estudar. Consegui concluir a minha especialização. Lia muito, e claro, comecei a me preocupar e a me preparar para a volta, que era ao mesmo tempo assustadora e cheia de expectativa.

Voltei de licença-maternidade na última quinzena de agosto querendo voar. Tinha muito trabalho, muitos projetos interessantes, muita coisa para planejar e executar. Mas na primeira semana de setembro, descobri que estava grávida de novo, apesar da pílula apropriada para mães em fase de amamentação. Então, eu pedi demissão.

“Estou grávida de novo. Então, eu me demito”

Lembro como se fosse hoje da minha conversa com a diretora da época, a Debbie. Foi a gestora mais direta e brilhante que eu já tive na vida. Quando eu descobri, chorei. Quando fui contar para ela, chorei mais ainda. Eu não queria ser vista como aproveitadora. E eu não achava “justo” com a empresa que me contratou com 7 meses de gravidez, engravidar de novo.

Ela foi surpreendentemente natural, acolhedora e objetiva: se fosse uma decisão minha pedir demissão para me dedicar, então, à minha família que estava crescendo ela aceitaria numa boa. Caso contrário, era para eu deixar essa besteira de demissão para lá. “Nós esperamos você nos 4 meses na licença do Pedro. Vamos fazer muitas coisas até seu novo bebê chegar e depois, esperamos você voltar de novo. Não é complexo”.

E assim foram os meses até a Isabela nascer. E assim em abril de 2013 tive um bebê rosado, gordinho e muito sorridente. Trabalhei até a véspera do parto e, diferente da situação na gravidez no Pedro, me sentia muito mais segura. Com esse ambiente acolhedor, permaneci na empresa por seis anos e meio, quando passei por nova transição de carreira e passei a atuar no ramo de educação.

Olhando para trás, vejo que tive um privilégio imenso ao ser acolhida como profissional e mãe pela minha chefe e pela empresa- algo que infelizmente a maioria das mulheres não vivencia no Brasil. Aqui, metade das mulheres que trabalham são demitidas em até 2 anos depois do retorno da licença maternidade, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Isso porque, na visão desses empregadores, são elas as encarregadas praticamente exclusivas dos cuidados dos filhos.

Ao analisar os anos mais marcantes da última década para mim, vejo também que a maternidade me ajudou a derrubar alguns mitos que eu mesma tinha criado na minha cabeça.

Mito #1. Os pequenos me farão improdutiva. Foi exatamente o contrário. Por mais que tivesse praticamente dois bebês em casa, aprendi a compartimentalizar melhor o tempo e focar objetivamente nas tarefas para fazer com que o dia rendesse mais para mim – tanto no trabalho como em casa. Essa forma organizacional me ajudou, na realidade, a aumentar a minha produtividade e moldar meus atos objetivando o resultado.

Mito #2. Não vou conseguir. As incertezas profissionais muitas vezes frequentes na gravidez viraram “eu consigo” depois dos bebês. Não se trata de me achar super mulher, mas de ter confiança maior em mim para entregar e ter resultados. Senti o que o meu repertório e perspectivas haviam aumentado e que isso poderia ser muito útil para minha vida profissional. A minha autoconfiança aumentou e isso foi positivo para eu elevar a barra ao olhar novos projetos, analisar oportunidades e inclusive ajudaram muito nas minhas reflexões antes de empreender.

Mito #3. Eu vou dar conta de tudo sozinha. Apesar da minha autoconfiança ter aumentado, também veio uma consciência maior sobre necessidade de ajuda. Para mim ficou menos difícil pensar: “se eu preciso de ajuda, eu vou pedir ajuda”. Eu tinha uma visão distorcida no início de que eu precisaria dar conta de tudo por mim mesma: da casa, dos meus filhos, do meu trabalho, da comida, da roupa, do seguro do carro, da gestão das contas etc. E não precisava ser assim. Por mais que não tivesse babá ou auxiliar doméstica todos os dias, passei a pedir ajuda sempre que necessário. Isso incluía me relacionar mais com o ecossistema que se forma em torno de uma mãe com seu(s) bebê(s): avós, tios, amigos, padrinhos, entre outros queridos, estreitando laços positivos para todos.

 

Ou seja, descobri que a Camila-mãe e a Camila-profissional são uma só, capazes de se retroalimentar de uma forma muitíssimo poderosa. Derrubar esses mitos dentro de mim ajudou também a ser mais empática com amigas, funcionárias, colegas de trabalho e mulheres ao meu redor que viviam situações semelhantes de dúvidas internas. Isso porque compartilhando pontos de vista poderíamos todas sentir o caminho um pouco mais leve. Acredito que essa nova ótica me ajudou ainda a ser melhor líder de pessoas, olhando para a maternidade como um combustível para a produtividade feminina, e não como uma âncora como muitos ainda insistem em afirmar por aí.

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